Em regra, por força do art. 234-B do Código Penal, os processos sobre crimes sexuais correm em segredo de justiça, no entanto, em novembro de 2024 foi aprovada a Lei Federal 15.035, que implementa duas novidades no Direito Criminal Brasileiro:
- A pesquisa de pessoas condenadas em 1ª Instância por crimes sexuais.
- A monitoração eletrônica do condenado em 1º instância por crimes sexuais.
- O Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais.
Pesquisa Pública de condenados em 1ª instância
Em primeiro lugar é preciso saber quais crimes permitirão a publicação dos dados do condenado em primeira instância estarem nesta pesquisa pública. São eles: estupro, registro não autorizado de intimidade sexual, estupro de vulnerável, favorecimento da prostituição ou exploração de criança, adolescente ou vulnerável, mediação para satisvação de lascívia de outrem, rufianismo e casa de prostituição e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual.
A partir da condenação por quaisquer destes crimes em primeira instância, ainda que haja possibilidade de recurso ou que o recurso esteja sendo analisado por Tribunal, a Lei autoriza a publicação do nome do condenado, seu CPF e dados do crime apontado na sentença.
A Lei autoriza a publicação destes dados pessoais do condenado, mas não do processo, que continuará em segredo de justiça, preservando as informações da vítima, testemunhas e demais envolvidos.
Em caso de absolvição em instâncias superiores, o sigilo volta e o nome da pessoa será retirado do Cadastro.
Sobre este ponto é preciso fazer um raciocínio, pois a lei foi omissa. A exemplo, imaginando-se uma condenação em primeira instância, com recurso da defesa e acórdão absolutório em um Tribunal de Justiça Estadual, ainda que haja Recurso Especial ou Extraordinário por parte do Ministério Público, entendo que o nome da pessoa deve ser retirado do Cadastro, não se exigindo para tanto o trânsito em julgado da absolvição.
Por fim, o juiz pode determinar que os dados do condenado não sejam inseridos no Cadastro, contanto que o faça de maneira fundamentada. Vejo poucos casos em que tal decisão será dada de ofício, cabendo ao advogado uma fundamentação robusta sobre os perigos concretos da publicação da condenação e exposição do condenado, como risco de vida ou à integridade física.
Monitoração eletrônica do condenado em 1ª instância
O direito processual penal brasileiro vem evoluindo muito no campo das medidas cautelares, ou seja, aquelas que visam garantir o próprio resultado útil do processo. Uma das principais discussões é para sedimentar o entendimento de que as prisões cautelares são uma exceção, só devendo ser implementadas quando estritamente necessárias e proporcionais.
Esta monitoração eletrônica após a condenação em 1ª instância, determinada pela nova Lei Federal, parece justamente reforçar este raciocínio, pois, apesar de restringir a intimidade do condenado, não lhe restringe a locomoção, salvo haja outra determinação na sentença, como não ausentar-se da comarca.
Ademais, tal medida, permite-se aos órgãos da persecução penal, como Judiciário, Ministério Público e Executivo, uma melhor organização orçamentária na aquisição de tais equipamentos, visto que todos os condenados em primeira instância que não estiverem presos, terão de fazer uso da chamada tornozeleira eletrônica.
Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais
Já existe um Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro, instaurado pela Lei Federal 14.069 de 2020. O cadastro de Pedófilos e Predadores Sexuais vem acrescentar a pesquisa pública deste cadastro. Resta saber se estarão ali apenas os acusados por estupro e estupro de vulnerável ou todos aqueles que citamos na primeira parte do artigo.
Nota de opinião
Em uma simplificação, transita em julgado um processo no qual não há possibilidade de recursos. No entanto, no campo criminal, há a questão da Revisão Criminal, uma ação autônoma que visa, diante de prova nova, absolvição em um processo com trânsito em julgado. Assim, na prática, um processo criminal, nunca transita em julgado efetivamente!
Um ótimo exemplo deste tipo de situação, foi o de Carlos Edmilson Silva, condenado em Osasco – SP a 137 anos de reclusão, por diversos crimes de estupro e roubo, tendo como prova reconhecimentos fotográficos. Em 2024, após diversas Revisões Criminais, foi absolvido com base em exames de DNA que provaram que não era autor dos delitos. Carlos já tinha cumprido 12 anos de pena em regime fechado.
Essa fragilidade de uma condenação em primeira instância se soma aos direitos à intimidade e à presunção de inocência e levantam uma suspeita de inconstitucionalidade desta pesquisa pública de condenados em primeira instância.
Teoricamente, após uma condenação em primeira instância, não está quebrada ainda a presunção de inocência, devendo-se esperar o trânsito para execução da pena (exceto situações de júri).
A fundamentação da Lei é permitir que as pessoas se protejam dos chamados predadores sexuais, pesquisando as pessoas com quem se relacionam para prevenir um ataque. A intenção é nobre e justificada, mas, preocupou-se pouco com a forma como se etiquetam tais predadores publicamente.
A lei poderia ter trazido melhores ferramentas investigativas para tais crimes, uma melhor regulamentação da cadeia de custódia da prova, prioridade e prazos próprios e rígidos na tramitação destes tipos de processo, determinação de criação de delegacias, equipes de perícia, promotorias e varas especializadas, entre outras medidas que visem melhorar a qualidade do provimento judicial antes de estampar um carimbo de predador sexual diante de sentenças de primeiro grau que, muitas vezes, são revertidas em instâncias superiores.